Como montar seu figurino dos anos 1940: shirtwaist dress ou vestido chemise

by - julho 30, 2019



Shirtwaist dress: sim, chegou a vez dele!!

Seguindo a série "Como montar o seu figurino dos anos 1940" (e se você não leu, sugiro começar o guia por aqui!), hoje vou te ajudar a entender mais sobre mais um vestido icônico!

Tenho certeza de que você já viu alguém usando algo semelhante, provavelmente a sua mãe há mais de 20 anos atrás. Acontece que este vestido foi moda também nos anos 1940, 1950, 1960...nos 1980 então se comprava na bacia e nos anos 1990 nossas mães repetiam normalmente os vestidos guardados no armário e hoje aparecem aí umas versões duvidosas (rs).

Mas apesar disso, esses vestidos de décadas diferentes são iguais? NÃO! Em cada década foram feitas pequenas modificações nos tamanhos e formas das golas, na amplitude das mangas, nos tecidos, no comprimento, na folga ("largura") e no uso de acessórios.

Com um pouco de treino dá pra perceber de que década é o vestido, mas vamos aqui falar de como ele surgiu e quais são as características dele nos anos 1940 (mais particularmente antes de 1947/Dior/Fath) e, assim, você vai conseguir montar o seu figurino de uma forma mais fiel à História (amém!).

"Um vestido de botão": um pouco de História

Vestido-Camisa? Fica difícil traduzir o termo "shirtwaist dress" para o nosso amado português. Vamos tentar então entender o conceito por trás dessas palavras com o auxílio do Google Tradutor 😁:
  • shirtwaist: uma blusa feminina que lembra uma camisa por ter botões frontais;
  • shirtwaist dress: um vestido com gola e botões no estilo de uma camisa.
Este vestido é a evolução da camisa masculina adaptada para o corpo feminino, a qual surgiu em torno da década de 1890 como uma opção de roupa pronta para comprar na loja (lembre-se que MUITA gente costurava suas roupas em casa).

O impacto dessa da adaptação da camisa foi tão intenso - transformando-a quase que em uma peça unissex - que ficou associado ao movimento de direitos femininos conhecido como Nova Mulher ("New Woman"). 

Este movimento simbolizava a independência social e econômica da mulher, associados ao progressismo (oposto do conservadorismo) e ao movimento sufragista. Era a roupa da mulher da classe trabalhadora, que saia dos afazeres exclusivamente domésticos para trabalhar fora nas fábricas e escritórios com uma peça prática e mais confortável, sem precisar mais de botões nas costas (que fossem fechados por outros) e corpinhos apertados. A mulher usava agora a camisa prática, até então reservada aos homens (mas sem dispensar o corset).
Camisa do acervo do MET Museum
1890s: Camisa feminina. Esta peça conhecida como shirtwaist foi criada como uma adaptação da camisa masculina durante o fim da sécada vitoriana.
Fonte: acervo do MET Museum.
O uso da shirwaist se popularizou, a ponto de a camisa ter sido adaptada para um vestido, inicialmente para o uso de enfermeiras na transição para o século XX, por ser prático para vestir e lavar, embora ainda longos. Essa tendência continuou durante a Primeira Guerra Mundial com o uniforme da Cruz Vermelha e de outras instituições com mulheres trabalhadoras Alguns modelos tinham, inclusive, punhos e golas destacáveis que pudessem ser lavados com mais frequência, como pode ser notado no exemplo a seguir.
Foto antiga de enfermeira
1914: Enfermeira da Cruz Vermelha usando uniforme.
Fonte: desconhecida.
Pulando no tempo, em 1938 seu uso é tão disseminado para além dos hospitais e fábricas que a Vogue Magazine declara que  o vestido deveria ser tombado como uma instituição americana e preservado em uma cápsula do tempo para mostrar às sociedades futuras o que eles eram naquele momento. Eles mal imaginavam que isto não seria necessário 😉

Ou seja, o modelo dos anos 1940 carrega, mais uma vez, a herança da modelagem (perfeita e inventiva) dos anos 1930.

Em resumo, nos anos 1940 este vestido tem a seguinte feição básica: 
  1. gola em V ou redonda (com ou sem lapela);
  2. mangas (um pouco acima do cotovelo ou longas);
  3. botões frontais (tal qual uma camisa!) terminando na cintura ou na barra;
  4. a parte superior da peça costurada a uma saia de linha A ou swing (no viés);
  5. comprimento abaixo do joelho (mas sem alcançar a panturrilha)
Dito isto, a partir daqui vou chamá-lo pelo nome conhecido no Brasil: vestido chemise ou chemisier, um equivalente do francês "camisa" (embora eu prefira "vestido de botão).
Vestidos vintage
1944: Com botões até a cintura ou até a bainha e estampas pequenas e grandes. Catálogo da Sears (EUA).

"Um vestido pra bater"

A camisa é uma peça fácil de usar, confortável e versátil. A saia "A" era mais sequinha nos 1940, mais econômica. Eventualmente haviam alguns franzidos na linha da cintura ou pregas bem pontuais. 

A junção do desenho simples de ambas as peças e a própria História (lembra das enfermeiras e trabalhadoras?) logo destinaram este modelo a atividades voltadas para o período diurno e aos afazeres cotidianos: ir às compras ou fazer visitas ou qualquer outro programa antes do período noturno.

Era um vestido pra bater. Vamos pensar num equivalente: sabe aquela calça jeans básica, mas bonita e aquela blusa mais arrumadinha, que funcionam tanto para o trabalho quanto para passear num sábado? Então 😊

Mas a História mais uma vez imprimiu um uso para estes vestidos: a Segunda Guerra Mundial. Os racionamentos que restringiram a aplicação dos franzidos também definiram o uso de roupas utilitárias, a partir de 1941, na Inglaterra: roupas com boa qualidade, bom caimento, economia de tecido e fáceis de lavar. Porém, totalmente padronizadas, com cores monótonas devido ao alto preço dos tecidos e coragens...e sem enfeites como rendas e bordados.

E veja abaixo quem foi que se enquadrou nesta lista ⇩
1942: Modelos de roupas utilitárias da Berketex Utility (Inglaterra). 
Aliás, o tema de roupas utilitárias precisa ser discutido aqui em um texto à parte, porque define mais uma vez um monte de regras interessantes sobre as roupas.

Voltando à anatomia do vestido: as mangas poderiam ser retas ou bufantes. As bufantes utilizavam vários métodos para manter a forma: com franzidos, com pences no topo, enfim....encimadas quase sempre por ombreiras. Já em torno de 1941, as mangas ficam mais retas por conta da restrição de tecidos da Segunda Guerra Mundial.

As golas eram pequenas, formando um decotinho em V na maioria das vezes, como você pode em todas as figuras  desse texto, ou redondas e altas. Eventualmente, havia um laço feito com o próprio tecido no lugar da gola (e não um laço solto de fita de cetim, por favor rsrs não nesta década). Às vezes, os vestidos tinham bolsos que poderiam ser frontais ou laterais, no peito ou no quadril.

À princípio não era previsto ir à festas e bailes de gala e outras atividades noturnas com ele, até porque existiam outros modelos muito mais habillé (= mais chiques, para usar uma palavra da década) para este tipo de situaçãocomo os franzidos, os bordados, os rendados, os tricotados, os crochetados, os recortados e por aí vai. 

Mesmo sendo um vestido mais informal, repare que, pelo menos nos catálogos de moda, eles sempre aparecem com luvas, chapéus e outros adereços de cabeça, sugerindo seu uso fora de casa para passeios e afins.
Montgomey Ward
1943: catálogo de roupas prontas da empresa Montgomey Ward (EUA).


Tecidos: estampa de quê?

Por conta da aparência mais informal, os tecidos mais frequentemente utilizados eram o algodão, o percal, o xadres, o rayon (um "tipo" de viscose)....eram tecidos mais baratos e acessíveis, mas não menos bonitos.

Os padrões eram lisos ou estampados. Os florais pequenos eram os queridinhos, mas os grandes também tiveram o seu lugar. Listras eram comuns também e até as bolinhas aparecem.

Uma coisa que não aparece são as estampas infantis: balões, foguetes, bolas de vôlei, cachorrinhos não tem! (só depois, anos mais tarde).

Catálogo da Sears
1939: catálogo de tecidos da Sears (EUA).
Fonte: Flickr Mena Trott Lazar

Mas se você fosse enfermeira, suas cores seriam mesmo o branco, o azul-claro ou o cinza. Nos anos 1940, as enfermeiras seguiram usando o vestido chemisier como uniforme, fazendo apenas algumas alterações em relação aos modelos de 1910 e 1920. Meio monótono, mas muito funcional.

A única diferença é que, sendo as mangas mais curtas, os punhos não são mais destacáveis. O cinto desse modelo também não tem fivela, sendo fechado por dois botões e com uma função mais decorativa..

É importante lembrar que os modelos de enfermeira poderiam ser costurados em casa, a partir de moldes vendidos em lojas. 

Uniforme das gray ladies, uma categoria de enfermeira da Cruz Vermelha que se dedicava a serviços não-médicos e de apoio aos pacientes e hospitais.
Fonte: Antique Dress Shop, uniforme à venda aqui.


Acessórios: aquele diferencial

Os vestidos chemisier dos anos 1940 têm, quase que obrigatoriamente, um cinto. Um cinto, mas duas possibilidades:
  1. Um cinto feito com o próprio tecido: novamente, a praticidade. Com o mesmo tecido, não tem como errar as combinações caso fosse preciso sair rapidamente ou aparecer em público. E mais econômico, pois o cinto não precisaria combinar/ter a mesma cor do sapato ou da bolsa
  2. Um cinto de couro ou de outro material. 1940s = coordenação. Cinto marrom, sapato marrom. Naquela época as pessoas não tinham montanhas de roupas e sapatos como temos hoje para ficar escolhendo (sendo que nada combina com coisa alguma HAHAHA), então creio que para elas essa opção era fácil.
A fivela geralmente era de baquelite ou galalite, que são dois compostos de plástico muito bonitos, mas fora de linha há décadas. Também se usava madrepérola, ou seja, a casca da concha (sustentabilidade HEHE). Essa fivela era coordenada com os botões. Fivela verde, botões verdes. No passado, o conjunto vinha até em kits!
Botões antigos
Conjunto de fivelas e botões dos anos 1950, semelhantes aos que se usavam nos anos 1940.
Fonte: Reginasstudio (Etsy).
Hoje estas fivelas são raras de encontrar (aqui, né...), então se for fazer um vestido para você, pode usar as de plástico mesmo que são vendidas em armarinhos (não garanto beleza ou durabilidade 😅). Um truque legal é encapar esta fivela com o mesmo tecido. Vai dar mais trabalho, mas fica mais autêntico.

Chapéu: sempre penso que se você tiver um bom penteado e uma boa bolsa e par de sapatos, não precisa de chapéu. 

Nos anos 1940, os modelos foram muito criativos e diversificados. Por isso, são icônicos, ou seja, tente não misturar um cloche (anos 1920) ou um casquete bem rente à cabeça (anos 1950) porque não vai conversar. 

Então é neste momento em que o Pinterest vai ser seu amigo rsrs para descobrir quais dos milhões de chapéus dos anos 1940 você vai usar (ou não rsrsrsrs).

Você também pode colocar uma flor no cabelo (pequena).

E no Brasil, como é que é?

Gente, no Brasil era a mesma coisa. As revistas femininas vinham com várias sugestões de vestidos chemise, dos mais simples aos mais decorados. eu queria muito postar aqui algumas imagens da revista O Cruzeiro com algumas das ilustrações mais lindas que já vi destes vestidos, mas por conta de direitos autorais, não vai dar. Mas por hora posto aqui estas duas versões publicadas em uma edição do Jornal das Moças, 1944. 

Repare que a primeira opção é feita em tecido liso e não tem lapela, mas a gola V está presente. Os botões vão até a barra, as mangas são bufantes e o cinto é feito do mesmo tecido. Já o segundo modelo, com tecido estampado, tem lapela e gola V. As mangas são sutilmente mais retas, tem franzidos nos ombros e o cinto é de um material diferente. O primeiro tem bolso e o segundo não tem, e as duas estão penteadas e sem chapéu.

Ou seja, tudo o que falei acima 😃 (e que você anotou!)

Tem uma outra coisa: o modelo abaixo parece utilitário, mas ao mesmo tempo não é. Veja a pence pespontada no ombro do primeiro, assim como os enfeites escuros (tecido a mais). No segundo, há franzidinhos no ombro e na cintura, gastando mais tecido. 
Revista de moda brasileira
1943: os ilustradores do Brasil fizeram a lição de casa direitinho!
Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira.
E para falar em beleza da vida real, vamos relembrar um ícone brasileiro da década de 1940: Bibi Ferreira. Na fotografia abaixo, Bibi também veste um vestido chemise estampado, com lapela, mas com gola redonda e mais alta. As mangas tem um franzido discreto no topo. O cintinho é feito de um material diferente e os botões vão até a cintura. A postura não está ajudando nesta foto, mas dá pra ter uma ideia do caimento do vestido.

Eu queria descobrir de que cor é este tecido. Parece azul-marinho, mas pode ser verde ou até vermelho-escuro (qual você chutaria?)

Aliás, já ouvi dizer que Bibi Ferreira costurou muitos dos seus próprios vestidos (e não duvido!).
década de 1940 Bibi Ferreira
Bibi Ferreira clicada por Kurt Klagsbrunn. Fim dos 1940-início dos 1940.


E então, já descobriu como montar o seu figurino?

A essa altura você já deve ter pensado se sua mãe, ou tia, ou avó ou outra parente ou amiga que viveu as modas passadas têm um vestidinho desse no fundão do guarda-roupa. Olha, é bem provável :) mas em brechó deve ser fácil de achar também.

Só toma cuidado com os vestidos dos anos 1980 porque eles geralmente são muito largos e tem quilômetros de folga, ombreiras muito grandes, às vezes são até longos. Os dos anos 1940 são mais justos (não apertados) e com o comprimento na linha do joelho para baixo (não para cima rsrs). Algumas alterações pequenas já ajudam bastante caso você opte por reutilizar um vestido dos anos 1980 😉.

Aliás, vamos usar este vestido hoje, porque ele é atemporal! 

Em outro momento vou fazer uma postagem sobre os vestidos chemise dos anos 1930 e dos anos 1950, mostrando a evolução e diferenças desse vestido entre as décadas ♥

Espero que tenha gostado! Ah, e me diz nos comentários se você se vê usando um modelo desses sem culpa e sem medo :)

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6 comentários

  1. Eu tenho uma foto da minha avó com a irmã caçula dela, as duas usando um vestido desse modelo com o mesmo tecido (que elas compraram igual uma sem saber da outra) e só alguns detalhes para diferenciar. Você tá me dando vontade de copiar o vestido da vovó.

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    1. Pauline, que sorte de ter essa foto! Copiar esse vestido seria uma forma de manter a memória ou de fazer uma homenagem às suas ancestrais. Seria uma proposta maravilhosa <3 <3 <3

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  2. Obrigada! Enquanto eu lia seu texto, eu tirava minhas dúvidas com a minha avó! Isso é incrível . Vivo nos anos 1940 e 1950 em total segredo em minha mente e sem querer querendo transpareço para fora com meus modelos de vestir totalmente fora de época. Ganho muitas ofensas, mas isso faz parte,quando estamos felizes com nós mesmos as pessoas sentem essa necessidade, e não há nada de errado em tentar ser feliz do seu jeito! Beijos..
    Atenciosamente. Wanda Caroline

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    1. Imagina Wanda, eu que agradeço por sua mensagem! O melhor jeito de viver é aquele que a gente escolhe, não é mesmo? Quem quiser ofender que perca o seu tempo hahaha isso não vai mudar em nada o nosso estilo <3 beijão!

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  3. Eu adorei o texto! Eu acho vestidos chemise lindíssimos! Fiquei apaixonada pelo de rosas de 1943, não sei se usaria um igualzinho talvez um pouquinho mais curto. Eu achava que todos os chemise tinham botões em todo o comprimento, mais uma coisa que aprendi além de muitas outras. Escreve sim sobre os vestidos chemise da década de 30 e 50, vou adorar ler! ❤

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    1. Sara, obrigada pela leitura e pelo incentivo! Estes vestidos são mesmo adoráveis. Em breve vou escrever sim sobre os demais vestidos para fazer uma comparação :) um abraço!!!

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