Bolinhas e poás: a origem e evolução de uma das estampas mais queridas da moda

by - fevereiro 11, 2020


Quando você pensa em bolinhas, imagina que elas vieram de tão longe na História?

Se você acompanha meu Instagram, sabe que há uns dias atrás entramos (todos!) em uma discussão muito legal sobre uma das estampas mais amadas e, por vezes evitadas, da moda: a estampa de bolinhas, também conhecido como "poá".

O poá é controverso: quando me vêm à cabeça, a primeira associação é com o famoso vestido "festa fantasia dos anos 1960"...sim, aquele preto frente única de bolinhas brancas. Sem esquecer do "biquini de bolinhas amarelinhas" 😊

Por outro lado, a discussão suscitou inúmeras declarações de amor ao poá e muitas histórias afetivas, que remetiam inclusive à memórias familiares. E fora da internet, o poá continua um sucesso: agora o vejo todos os dias nas ruas!

Mas enfim, de onde surgiram as bolinhas? Minha intenção era falar sobre elas apenas durante o século XX, mas fui obrigada (rsrs) a voltar o relógio alguns séculos atrás, pois é lá que a treta começa.

Era Medieval (séculos 5 a 15)

Segundo o podcast "Dressed" produzido pelas historiadoras de moda April Calahan e Cassidy Zachary, na Era Medieval a simples representação de "bolinhas" ou "pontos" não era uma visão agradável. Em um período em que vacinação não existia e o mundo era varrido por epidemias, "bolinhas" lembravam os sintomas de varíola, catapora, hanseníase e outras doenças que manifestavam erupções cutâneas. Logo, essa percepção coletiva também era associada à impureza.

Pintura medieval ilustrando pessoas infectadas por hanseníase recebendo uma benção de religioso.
Fonte: Omne Bonun (enciclopédia), século 14, Inglaterra.

Essa percepção se reforçava pelo fato de a impressão mecanizada em tecido ser uma técnica ainda desconhecida: os pontos eram impressos manualmente com tamanhos e espaços irregulares, lembrando ainda mais as tais doenças de pele. 

Ou seja: para a sociedade medieval ocidental, era melhor evitar.

Século 18 (1700s)

Pois então...no século 18 (XVIII), as bolinhas/pontos começaram a aparecer um pouco mais, gradualmente se desvencilhando da percepção coletiva de "doença" e "impureza".

No fim do século, as bolinhas/pontos aparecem em alguns figurinos de Moda de jornais destinados às elites, como o "Journal de la Mode et eu Gout", publicado na França. Note no figurino abaixo que a configuração das bolinhas ainda não é regular, ou seja, pode ser derivado da pintura manual ou da utilização de algum instrumento para estamparia (carimbos, por exemplo).

1790, junho: Journal de la Mode et du Gout.
Fonte: Dames a la Mode.

Século 19 (1800s e um pouco mais...até 1914)

Durante o período "Império" (1800-1820), tais soluções alternativas ainda eram adotadas, como a pintura manual e o bordado. Note no exemplo abaixo, que compõe o acervo do MET Museum, que os pontos não são exatamente bolinhas impressas, mas círculos aparentemente bordados. De qualquer forma, modelos com bolinhas/pontos continuaram sendo sugeridos em figurinos de moda de jornais em circulação.

1810s: Vestido com silhueta "Império", origem Inglaterra.
Fonte: MET Museum
Mas é que durante a Era Vitoriana que a moda das bolinhas começa de verdade 😈😈

Quem explica esta evolução é a jornalista gráfica  Jude Stewart, que escreveu o livro, que escreveu o livro "Patternalia: an Unconventional History of Polka Dots, Stripes, Plaid, Camouflage; Other Graphic Patterns" (sem tradução no Brasil) e cedeu várias entrevistas sobre a história de várias estampas que são, em sua maioria, vestidas até hoje.

Na década de 1830, em Praga, é inventado um novo ritmo musical, a "polca". Ao longo das décadas de 1830 a 1860, esse ritmo alegre e festivo se torna muito popular, sobretudo entre as mulheres, e se espalha pela Europa.

A partir daí, a "polcamania" passa a ser associada a produtos e objetos, porque né....desde sempre o mercado busca lucrar com modas e tendências: apareceram as partituras de polca para piano, e então a dança....e logo as  jaquetas de polca (sem bolinhas), os chapéus de polca (também sem bolinhas), os suspensórios de polca, o pudim de polca (!) e a "estampa de polca" ou "polka dots" ou o nosso poá/ bolinhas.

Note que, agora,  a percepção das bolinhas deixa de ser relacionada à doença e passa para algo alegre e inocente.

1840s: mulher com vestido de poá, no auge da Moda dos "polka dots".
Fonte: Europeana
E o fato é que as "polka dots" foram as únicas sobreviventes dessa moda toda nos dias de hoje.

A Revolução Industrial deu uma grande mão para isso: agora, com a mecanização da impressão nas grandes tecelagens, era possível imprimir as bolinhas de uma maneira regular e espaçada, tornando a estampa agradável e adotada largamente pelo público feminino, o que inclui a nobreza e as famílias reais (como ilustra a fotografia abaixo).

1873: princesa Dagmar da Dinamarca (futura imperatriz da Rússia) e sua irmã princesa Alexandra (futura rainha do Reino Unido).
Os trajes foram combinados entre as irmãs por meses e usados em dupla por ocasião da visita de Dagmar à Alexandra.

A estampa de bolinhas na arte vitoriana

Na arte, ou melhor, na pintura, as escolhas dos tecidos também acompanharam a moda. Há alguns exemplares de quadros retratando a famosa estampa e isso pode refletir duas ideias:

a) a escolha do pintor, em busca da melhor harmonia e dos estilos em voga para seu objeto (modelos vivos);
b) a escolha do retratado, que deseja, novamente, ser imortalizado com as roupas mais atuais e elegantes de seu guarda-roupa.

Quando se fala de arte, pode ter certeza de que nenhuma escolha é aleatória.

1869: "The Sisters" (As Irmãs), pintado pela artista Berthe Morisot.
Fonte: National Galery of Art, Washington, EUA.

Repare que ambas as pinturas (a de 1869 de Morisot e a de 1867 de Bazille) foram realizadas antes das fotografias das princesas Dagmar e Alexandra. Nos três casos, os vestidos de bolinhas aparecem em dose duplas: irmãs ou primas vestindo trajes semelhantes tanto em modelagem quanto em estampa.

O que isso reflete?

Minha interpretação é de que isso indica "novidade", "modernidade", "feminilidade", "alegria", "ambiente doméstico", "família". Era o tecido da moda, da mulher, da doçura. Mais ou menos a mesma conotação que damos à estampa hoje, não acha?

Bom, até que se prove o contrário (rsrs). Ou até que a varíola retorne por falta de vacinação 😂😂

1867: "Family Meeting" (Reunião de família), pintado por Fredéric Bazille.
Fonte: Musée d'Orsay.

E para terminar, como a moda do século 19 não finaliza na virada para o século 20, mas avança um pouco mais...as bolinhas continuam sendo aplicadas ostensivamente na moda feminina durante a Era Eduardiana (1901-1914).

1902: Vestido para caminhada, idealizado por Laferriére e apresentado na revista Les Modes (agosto).
Fonte: Les Modes tumblr

Puxando o fio para um próximo texto

Pois é, pessoal....não achei que chegaria tão longe, mas aí estamos com as bolinhas desde a Era Medieval até o fim do século 19 (da Moda). 

Na boa, sair da zona de conforto (século 20) foi ótimo: aprendi pra caramba, e espero ter passado isso para vocês de maneira fácil de compreender, mas também completa.

Eu pretendo seguir com as bolinhas ao longo do século XX, abordando da década de 1920 até a década de 1970. E aí vai ser aquele "banho de bolas" rsrsrs mas não hoje!

Já sabem: ideias, dúvidas, debates? Não deixe de escrever nos comentários!!!


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2 comentários

  1. Depois de ver bolinhas no seu Instagram por tantos dias e de tantas formas eu me sinto o próprio menino do sexto sentido, literalmente passei a perceber todas as vezes que via alguém com estampa de bolinha na rua.

    Estou impressionada que ela seja tão antiga

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    1. Haruiro, entendo totalmente como você se sente! kkkkk o mesmo aconteceu comigo. Agora não tem mais como elas passarem despercebidas :D

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