Museus com Moda na Escócia (parte 1) - National Museum of Scotland

by - novembro 19, 2019



Então, eu fui para a Escócia!


Todo mundo me pergunta o que fui fazer lá, e o fato é que fui por questões familiares: o casamento do meu cunhado. Foi tudo muito legal e tal, engordei 3 kg de tanta comida (pensa num povo que come bem!), mas o que eu queria ver mesmo eram os museus. E se fossem museus de/com moda, melhor ainda!

Um adendo: planejei ir ao famoso museu Victoria and Albert em Londres, para a exposição da Mary Quant, mas cancelei por dois motivos:
  • de Glasgow para Londres seria uma noite de ônibus, e não consigo dormir bem viajando e nem queria perder esse tempo durante o dia;
  • o que achei em Glasgow, Edimburgo e arredores já eram tesouros suficientes.

TODOS os museus da Escócia são gratuitos (mas tem caixas de doação onde as pessoas colocam notas, e não moedas rsrsr)

Então, sem enrolação, vamos logo para a parte I que será longa, mas vale cada minuto: o Museu Nacional da Escócia em Edimburgo, conhecido mesmo como National Museum of Scotland.

external view of national museum of scotland
O Museu do lado de fora. Se entra por esta passagem abaixo do nível do solo e por dentro são mais dois andares de exposição.

O Museu Nacional da Escócia é um museu de quê?

Então, não é um museu de moda. É um museu da nação! (que é algo que o Museu Nacional deve ter sido antes de queimar)

É um museu que conta a história e a evolução da Escócia por meio de objetos e narrativas de todos os tipos: ciências, arqueologia, indústrias, design....então há desde uma estela celta de 5000 anos até animais empalhados e grandes máquinas à vapor do século XIX.

Há também seções de outros países, fantásticas aliás pela beleza e variedade. Tudo muito bem organizado, dividido em alas para que nada se confunda, mas tudo interaja entre si.

E surpresa: a seção de Moda, inaugurada em 2016, está na ala de design.

Enfim, este museu é uma coleção de coleções

Visão da área interna do National Museum of Scotland.


Sala de moda - do século XIV ao século XX

Bom, a organização das peças é um mix de forma cronológica e de tipo de uso ou a técnica utilizada (!). Tem a vitrine dos vestidos de festa, dos sapatos, da lingerie, das técnicas manuais tradicionais... Essa disposição facilita a compreensão já que peças de diferentes épocas se conversam e podem ser comparadas.

Além disso, há tanta coisa lá: vestidos, conjuntos, roupas masculinas, fragmentos de tecidos, rendas, toucas, sapatos, bolsas, leques, lingeries de todas as épocas....tive que ser seletiva e vou mostrar só os spotlights.

Ah, e vou dividir em ordem cronológica pela facilidade. Aí você pode pular para a parte que mais gosta 😁

Então vamos, agora sim HEHEHE

Século XVIII

Para quem gosta de século XVIII, o museu possui uma das peças mais fantásticas do período: a mantua. Fiquei bem surpresa por vê-la por causa das medidas: de frente tem quase 2,5 metros, mas de lado mal alcança 0,60 cm! E de altura, bem baixinha também, algo em torno de 1,40m.

As mantuas eram utilizadas em ocasiões de muita pompa e elegância, e sua forma exagerada é considerada pura afetação da corte. São raros os modelos preservados até hoje. Esta foi feita em brocado de seda, e o que assegura a sua armação é uma anágua  e suporte construídos especialmente para ela pelos profissionais do museu mesmo.

Acredita-se que esta mantua foi usada pela britânica Condessa de Haddington em um dos eventos comemorativos do aniversário do rei George II em 1752.

São vários os motivos para esta suposição: primeiro, que esta mantua ficou guardada até os anos 1980 no castelo de uma família que dela descende; segundo, há registros que, no ano de 1752, um grande carregamento de brocados de ouro e prata foi anunciado para quem se interessasse em confeccionar roupas de damas e cavalheiros para as festividades do rei.


Mantua do século 18

mantua do século XVIII
1750s: mantua pertencente à Condessa de Haddington (Inglaterra).
Aliás, se você quiser ler mais sobre esta mantua, o museu oferece bastante detalhes e vídeos aqui. Inclusive, que interessante: a família doou cerca de 162 itens de moda e têxteis para o museu, datados entre 1700 e 1900. Então fico me perguntando quais mais tesouros estão lá guardados!!! 

Uma dessas peças é o vestido de seda abaixo. O tecido é de 1726-1728, mas o vestido é de 1740s. Segundo o museu, é um robe volante, ou seja, ele é a transição entre a mantua e o robe à française (aquele com pregas grandes atrás). Veja que este tem as duas coisas: tanto o quadril marcado pela armação lateral, quanto as pregas traseiras. partindo do pescoço até a barra.

Fui dar uma pesquisada e entendi também que o robe volante era para aquelas que desejavam mais conforto e menos restrições no vestir (espartilhos, etc). Era um modelo amplo. Porém, esse tem um stomacher ou leitinho na frente, então tô aqui pensando se realmente foi usado com menos restrições. 
Casaca masculina
1740s: robe volante. Consegue ver aquela prega grande refletida no espelho?
As casacas masculinas são de 1760-1770 e também ricamente ornadas com brocado.
Em se tratando de acessórios, fiquei encantada com estes manguitos (em inglês, cuffs) de seda azul!  Eles eram posicionados na ponta da manga da roupa, para dar um destaque a mais no traje ou mesmo para reduzir a exposição das roupas à lavagem (como as versões usadas até os anos 1950 ou 1960). 

Olha a técnica destes, que coisa mais linda: as flores eram de outro tecido...então elas eram bordadas com um fio de ouro e depois recortadas e aplicadas em cima da seda. 

Veja onde onde vai o sonho de ter uma seda estampada rsrs

Aqui você pode ver fotos de alta resolução deste bordado.

Vitorianas: 1800s a 1899

Moda vitoriana não é muito a minha pegada, porque gosto mais das técnicas que do conjunto total montado. Porém, não tem como não admirar a modelagem engenhosa deste século.

Primeiro que eu não sabia, e depois notei que não era a única, que os suportes das crinolinas, stays e outras roupas de baixo vitorianas não necessariamente eram só de baleína ou de metal.

Sobretudo no começo do século XIX e no período anterior, elas poderiam ser de "cane". Pelo que pesquisei até o momento, "cane" é um vegetal que nasce em áreas úmidas e que, depois de seco, fica rígido e segura bem a estrutura com alguma flexibilidade. Seria o nosso equivalente ao junco?

Vivendo e aprendendo.

Cane 18th century
O metal e a tal da "cane", que acredito equivaler ao nosso junco.

Nas décadas de 1820-1830, a moda eram as tais das mangas gigot: como se não bastassem anáguas e crinolinas e outras estruturas semelhantes para modificar o quadril, os braços também ganharam as suas armações para ficar parecidas às mangas-balão.

Sim, armações rsrsr

Não estou falando de ombreiras, estou falando de armações com suportes da tal da cane/junco mesmo :)

Era o velho truque para enfatizar uma cintura fina. A ilusão começa na base da manga, bastante pregueada para aumentar o volume, e um decote largo e baixo. De dia, esse decote era coberto com um fichú, mas de noite, minha filha......

Aqui você pode ver uma foto em alta resolução do exemplar do museu.

Vestido com mangas balão
1825-1835: vestido de algodão com mangas gigot.
Veja ao lado esquerdo e inferior os suportes de manga. Eles foram feitos com a tal da "cane"/junco.

Então pulamos para 1885 e o trucaço era fazer os quadris sobressaírem. Na foto abaixo, ao fundo, dá pra ver o tipo de anquinha usada para isso (bustle). Mas o que achei fantástico foi este veludo de seda verde mesmo e as belíssimas pregas atrás, abaixo da cintura. PQP, que trabalho lindo!!!

vestido de veludo
1885-1888: feito em Edimburgo mesmo, que é fria pra caramba.
Agora olha o trabalho de modelagem, a cintura, o busto e o brilho de um veludo maravilhoso!!!
(OBS.: limpar a câmera do celular da próxima vez rsrs)


Século XX - De 1900 a 1950

Perto da entrada também está montada esta vitrine de vestidos de festa do início do século XX, que é bem a minha área! De cara lá estão WorthLucille, Lanvin, Paul Poiret, e Fortuny (o desenvolvedor do vestido Delphos).

moda no museu
A paulada da esquerda para a direita: Charles Worth (1905), Lucille (1918-1920), Jeanne Lanvin, Paul Poiret (1924) e um vestido Delphus de Mariano Fortuny (1910).


Ou seja, só as estrelas, só a nata, só a fina flor da moda dos anos 1900s a 1920s ♥♣ O certo é dizer que todos dispensam apresentações, mas na verdade é sempre bom dar uma introdução sobre eles porque nunca é o suficiente.

Vou comentar especificamente dois deles, o vestido rosa da Casa Worth (número 1 da foto acima) e o robe-de-style roxo de Jeanne Lanvin (número 3 da foto acima).

Charles Worth é art-nouveau. Fim. 😅

Charles Worth não é só art-nouveau. Também é Belle Époque. Ele é simplesmente o maior nome da moda francesa da segunda metade do século XIX até meados de 1950, muito após ele morrer e os filhos levarem a Casa por algumas décadas.

Este modelo em rosa, construído em organza, chiffon de seda e renda à máquina, foi feito entre 1900 e 1903 e reúne pelo menos três características do período Eduardiano: 1) as rendas e materiais translúcidos e em cores muito suaves, que dão um ar diáfano e etéreo à peça (lindo!); 2) a gola alta, cobrindo o pescoço; e 3) o "peito de pombo".

Riam, mas este formato de "peito de pombo" era proposital no período. A silhueta era modelada pelos espartilhos em S, que faziam com que as mamas fossem empurradas para frente e as costas fossem meio que obrigadas a se curvar um pouco, de forma que o quadril se projetava para trás. Este era um efeito pra reforçar, de novo, a cintura fina. 

Aí pra acentuar o truque de novo, na região dos seios eram feitas pregas e adicionados excessos de tecido para aumentar o busto e forçar a ilusão de ótica sobre a cintura. Algumas dessas roupas tinham até enchimentos para aumentar o peito de pombo. 

Mano, que obsessão louca por cintura a gente, ser humano, tem!

Como sempre a minha foto não faz jus, então você pode ver aquela foto profissa de museu aqui.


vestido eduardiano
1900-1903: Belle Époque. Delicadeza. Peito de pombo.

Próximo.

Jeanne Lanvin foi uma estilista e mãe. É importante falar que ela era mãe porque foi vestindo a filha que ela, como chapeleira, se inspirou na construção de vestuário e conseguiu, anos mais tarde, ingressar no seleto grupo de estilistas de alta-costura francesa.

Este vestido roxo fantástico é um robe-de-style construído nos anos 1920: ao invés de ter uma estrutura tubular, mais reta, Lanvin gostava de saias rodadas e armadas, inspirada na delicadeza e nos tempos românticos anteriores à Primeira Guerra Mundial (1914-1918).

Além disso, o negócio da Lanvin era trabalhar com cores.

Eu já tinha visto este vestido tantas vezes  no Pinterest...nem imaginei que ver esta explosão de cores me deixaria emocionada!

1920s, robe d'style de Jeanne Lanvin. A foto do museu é sempre melhor que a minha.
Fonte: National Museum of Scotland
Ainda na década de 1920: esta maravilha abaixo foi o mais perto que cheguei de um vestido de verdade das nossas queridas flappers. Ele foi feito na Escócia mesmo, com lantejoulas e miçangas de vidro extremamente pequenas. 

Repare como a silhueta dele é diferente do robe de style da Lanvin. Este é de fato tubular, mais reto e sem cintura marcada, enquanto o dela é mais armado e a cintura se destaca (apesar de ainda ser mais rebaixada que a cintura natural).

Ah, outra coisa é que este vestido de miçangas estava tão destruído por causa do peso e por provavelmente ter sido guardado por muitos anos em um cabide, que teve que passar por um processo de restauro de quase 150 horas. Neste link há várias fotos legais sobre as etapas de restauro dele.

Um dia, vou fazer algo parecido pra mim (espero viver até os 120 anos).
vestido anos 1920
1927: vestido de miçangas. Gostaria de estar comprando
Os anos 1930 foram representados pela coleção da Frances Rodney, a editora de moda da revista Vogue e da Harper's Bazaar durante aquela década. Perceba a silhueta predominante dos anos 1930: mangas bufantes (o contraste com a cintura também vale aqui), cintura fina e uma descida suave, quase retilínea até a barra do vestido, que termina um pouco acima do tornozelo.

Repare que as mangas tem pregas paralelas, refletindo bastante a estética geométrica do art-dèco.

1930s: destaque para as mangas bufantes e a silhueta retilínea.

Ok, chegamos ao meu traje favorito de toda a exposição: um vestido de baile e capa em cetim cor-de-rosa de Jacques Fath de 1948, com um trabalho maravilhoso de trapunto na gola da capa e barras.

Além disso, o corpete do vestido tem um bordado primoroso feito por um ateliê tradicional pariense e é fechado com um zíper!!! Eu já vi vários desenhos de vestidos dessa década com zíperes, mas ver um exemplar de alta-costura é fantástico!

Jacques Fath foi contemporâneo de Christian Dior, e tão talentoso quanto ele. Aliás, ele era um dos favoritos de várias estrelas de Hollywood, incluindo nossa querida (Marga)Rita Hayworth. Aqui você pode ler um pouco mais sobre este vestido maravilhoso e a relação de seu bordado com as casas de alta-costura francesas.

vestido rosa
1948: vestido de baile e capa de Jacques Fath. Lembra um vestido vitoriano.
A foto não faz jus à esta obra de arte.

O zíper e o bordado do vestido de baile de Jacques Fath.
Fonte: National Museum of Scotland
Aí dos anos 1960 para a frente eu passei a vez e voltei para o começo para ver tudo de novo 😌

Três motivos para amar este museu

Olha, já fui em muito museu, tanto nos confins do Brasil quanto na Europa. Mas este fez meu coração aquecer. Não sei explicar muito bem, mas senti que estava tudo de alguma maneira conectado!!!

Então, as três coisas que mais gostei:

  • Interatividade: o museu não tem só vitrines. Durante a exposição, há alguns recursos multimídia que permitem que o visitante interaja com as peças. Além de ser possível tocar na tal da "cane", haviam vídeos curtos sobre o processo de restauro, ou sobre ícones da época...também haviam aplicativos onde era possível montar um look baseado em um dos vestidos do século XVIII e fazer a modelo andar na passarela (para adultos e crianças). Num mundo onde vivemos diante de telas (PC, celular, TV no elevador), estas coisas atraem a atenção.
  • Legendas bem feitas: aí são duas coisas. Primeiro, a legenda não é impressa em papel sulfite que amassa e amarela (alô, BR?), mas sim numa plaquinha de plástico, durável e bonita. Segundo que as informações são bem escritas e contextualizadas, e não apenas o ano e o nome de quem fez ou vestiu (o que não diz nada sobre coisa alguma, mesmo que seja um prato de porcelana).
  • Iluminação e organização: luz baixa para preservar os tecidos e a organização não totalmente cronológica, mas por ideias. Fabuloso!!!
  • E um extra: o museu tem uma parte dedicada apenas a roupa tradicional/típica/folclórica de fora da Europa. Pra isso vou ter que fazer um post específico, não porque tenha muitas fotos, mas porque simplesmente fiquei boquiaberta com uma ou duas peças do Ártico (e sei lá, quem é que pensa em indumentária do Ártico?).

Gente, obrigada por ter lido até aqui novamente!!! Eu queria pôr mais fotos, mas fica pesado. E outra coisa: visitei 4 museus com moda, então vão haver outros posts 😄😄 e já sabem: comentem suas impressões (eu respondo tudo!), compartilhem e tals! 

E aqui uma última foto só pra provar que eu fui lá mesmo!....vai que aparece algum defensor da terra plana por aqui KKKKKK porque né, tem quem acredite que o homem nem pisou na Lua rsrs

museu de moda
Esqueci meu pau de selfie



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4 comentários

  1. Respostas
    1. Adua Nesi, obrigada pela leitura! É ótimo que você tenha gostado :)

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  2. Ah! Que viagem agradável pelo tempo eu fiz ao ler seu texto e ver fotos incríveis! Obrigada!

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    Respostas
    1. Cilene, eu que agradeço por você ter passado aqui novamente <3

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